ARTIGOS

Revoada de Iça

José Eduardo Alves Santos Ribeiro - Historiador

23/10/2024

No dia 21 de outubro de 2024 em São José, houve ocorrência da famigerada Revoada/Queda de Içá. Fenômeno que poderia ser apenas uma curiosidade natural, como a Revoada de Aleluias, não fosse pelo hábito da caça/coleta das tanajuras (saúvas fêmeas) para compor o prato do dia, seu abdômen torrado/frito rende uma boa farofa! Em tempo, segundo Monteiro Lobato, é este o Caviar Caipira! Segue relato.

Desci do apartamento no bairro do Bom Retiro e no estacionamento vi os sinais do que seria uma “queda” de içás. Liguei o carro, esperei “esquentar”, e segui meu caminho em direção à escola Édera Irene, no São Judas Tadeu.

Durante o trajeto, observei sinais mais fortes, não se tratava de uma simples “queda”, mas de uma “revoada” de içás. Guiando meu Escort Hobby 95 pela Estrada do Bairrinho, pude notar inúmeros caçadores/coletores de içás; nesse trajeto, infelizmente, também esmaguei diversos dos “bichinhos”, pois a estrada, o asfalto e o concreto estavam no caminho das rainhas tanajuras, que não fazem ideia do nosso conceito de “progresso”.

Já quase chegando no meu destino, parei o carro ao avistar muitas pessoas na caçada, na região do Putim, em um campo ao lado de um mini shopping; parei para conversar com alguns deles.

Uma caçadora, que vamos chamar de Dona Maria*, me disse que coleta içá desde criança, “desde que a minha mãe era viva”, informou que aprendeu com os pais, que aprenderam com os pais deles.

Seu José* me disse que também coleta içá faz muito tempo, que aprendeu com a mãe, com o pai e com os irmãos mais velhos, que já caçavam as formigas em Redenção da Serra, informou que reside em São José há 55 anos, veio com 6 anos de idade e começou a coletar aqui, desde então, coleta todo ano, bem, quase todo ano, pois “tem ano que não sai, sai pouquinho, né?” diz Seu José; que também se impressionou com a revoada de hoje, “esse ano saiu bem, né?” olhando para seu balde cheio.

Já o Pedro* é de Passa Quatro (MG) e também estava caçando as saúvas, diz que comia muito içá quando “muleque”, que em Minas, quando chega a época do içá aparece um monte de gente e que chega a ser comercializado por muito dinheiro, também informou que “lá em Minas Gerais, a gente conhece por vários nomes, içá, tanajura, em Minas nós fala bitu, então o macho nós chama de pai véio e a fêmea de bitu”, também me revelou que viu a revoada enquanto estava no serviço e resolveu sair para pegar e “fazer uma porção lá em casa, pra lembrar os velhos tempos”.

Calculo que muitas regiões da cidade receberam a revoada, pude verificar as formigas no Bom Retiro, Bairrinho, Campos de São José, região do Putim, um pouco no São Judas, na Vila São Bento e até na região central da cidade. Mas nenhuma região se compara ao trecho da estrada que percorre o Bairrinho, parecia um tapete de Corpus Christi, porém vivo!

No final, como os passarinhos, os caçadores/coletores foram impelidos por uma força quase instintiva, ninguém lhes ordenou ou disse o que fazer, mas sua cultura, sua tradição, herdada dos pais, dos avós e dos pais e avós destes, foi o que os levou a pegar o primeiro recipiente que viram pela frente e sair para aproveitar essa chuva de formigas, que em outro lugar passaria desapercebida; essa força, leitor(a), eu chamo folclore!

 (*) Nomes fictícios, a fim de preservar a identidade dos entrevistados.

Fotos: Jonatas Batista

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Os novos museus e as fórmulas de sucesso

(*) Ana Silvia Bloise

Museus (Memória + Criatividade) = Mudança Social. Esta foi a equação otimista criada pelo Conselho Internacional de Museus (ICOM) para comemorar o Dia Internacional dos Museus de 2013. Creio que muita gente ficará feliz em observar que uma equação de primeiro grau pode produzir mudança social, e que o fazer do museu tem, aparentemente, mais poder do que a educação das pessoas, uma revolução, ou coisa pior.

Na minha visão o tema reflete bem mais o retrocesso de conteúdo versus a superficialidade do espetáculo que observamos em alguns museus do Brasil. Parece até que a palavra museologia saiu do vocabulário, e que museólogos, já não somos e nem precisamos mais ser, devemos agora ser curadores. Livre e desimpedidos para tal! Vejamos os fatos:

Desde 1992 não temos um curso para formar museólogos no Estado de São Paulo, onde há cinco centenas ou mais de museus, a maioria em grande dificuldade e sem recursos humanos e financeiros para exercer dignamente sua missão. Apenas no ano passado, foi criado um curso de mestrado em museologia na Universidade de São Paulo (USP).

Creio, assim, que essa formação nem faz falta, pois aqui na nossa terra qualquer um pode começar a carreira e logo atuar na preservação e comunicação do patrimônio, com velado apoio das instituições da cultura. Temos cursinhos rápidos para tal necessidade: neles recebem-se noções sobre o que é conservação preventiva, expografia, projeto, curadoria, etc. e pouco se fala em museologia. Existe até mesmo graduação em curadoria, para quem quer de fato atuar na área mais às claras e, quem sabe, chegar a brilhar como alguns curadores-estrelas.

É assim que nós brasileiros costumamos lidar com algum percalço burocrático, lei ou um decreto incômodo: nós damos a volta por cima, não enfrentamos, usamos a tal ‘criatividade’ para, pura e simplesmente, burlar as leis.

Para sermos claros, o que mais incomoda aqui é ter que cumprir a lei 7.287 de 18 de dezembro de 1984 e o decreto 91.775 de 15 de outubro de 1985, que torna a profissão de museólogo uma profissão regulamentada e subordinada aos conselhos regionais. Assim como o médico, arquiteto, engenheiro, advogado, dentre outros, o museólogo tem que comprovar sua formação e precisa seguir um código de ética, de conduta profissional.

Portanto, ao resumir o museu a uma equação com resultado equivocado, o ICOM parece estar sobre a influência de ingênuos ou de manipuladores. Nada mais falso do que imaginar que o trabalho do museu possa ser simples e que, assim, com criatividade e bastante otimismo, se venha a obter as almejadas mudanças sociais que o país tanto necessita. Pois o museu é, antes de tudo, uma instituição que reflete a sociedade/comunidade em que se insere, ou seja, por natureza ele não é revolucionário, nem pioneiro em qualquer aspecto.

A memória, não é um elemento dado, como pressupõe a fórmula. A memória se constrói dentro de um processo de perdas e ganhos e de reinterpretações, que exige um grande esforço especializado e é fruto do coletivo. A memória das guerras recentes, dos estados de exceção, de opressão, por exemplo, precisam ser trazidas à luz constantemente. Caso contrário, as lições serão perdidas nas forças do esquecimento, da ignorância e na indiferença.

Nos anos de 1980, a professora Waldisa Russio [1] já nos indicava o caminho da museologia como uma ciência em formação, cujo objeto de estudo, o fato museal, é “a relação profunda entre o homem, sujeito que conhece e o objeto, parte da realidade à qual o homem também pertence e sobre a qual ele tem poder de agir”.

As transformações que o museu pode promover serão sempre, inicialmente, de caráter pessoal. Isto está implícito na definição de museu utilizada pelo Instituto Brasileiro de Museus (Ibram): “Os museus são casas que guardam e apresentam sonhos, sentimentos, pensamentos e intuições”.

Trinta anos mais tarde, a superficialidade que ronda os museus se reflete nos novos ‘autores’ como o historiador francês Dominique Poulot [2], que se refere à museologia “como um gênero (grifo meu) indefinido, marcado pela mistura, por um lado, de uma museografia erudita italiana ou espanhola, de uma museologia alemã balizada pela teoria pedagógica e pela história dos conceitos, e de uma museologia semiótica oriunda da Europa Central”.

“Por outro lado, ainda segundo Dominique Poulot, “há no gênero um misto de uma literatura jurídica e administrativa, uma sociologia do trabalho e, enfim, uma arqueologia que converteu a promoção da cultura material em uma forma de disseminação, cultural e social por meio das técnicas de exposição relacionadas com a interpretação” (ufa!).

Entramos na fase dos grandes eventos, como o Encontro Internacional de Museu em agosto, a Copa e as Olimpíadas, na sequência. Tudo isso é oportunidade de muitos negócios, dando espaço para as curadorias espetaculares. Viva então o novo museu, sem museologia!

(*) Ana Silvia Bloise é museóloga e diretora do Conselho Federal de Museologia. Fonte: Revista Museu/maio 2013.

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Vale Encantado do Paraíba

(*) Andréa Mourão

Quantos encantos cabem num Vale? Quantos cantos encantados têm o Vale? Quais os cantos entoados pelo Vale? O espetáculo Vale Encantado do Paraíba resgata e reinventa encantos ao passar vistas pelo Vale. Vale os "causos" de assombração que o Vale tem, vale as lendas dos piraquaras que o Vale guarda, vale a valorização de salvaguarda.

Vale o Jongo, seus mestres, sua raça, seus ritos, seus mitos, simpatias e crendices. Vale a criança, o homem, a mulher, vale a sua gente em seu povo artista, que sobe ao palco para amostrar toda essa riqueza pouco vista. Vale mostrar as danças, seus costumes, seu fazer. Vale o que de mais precioso os estudos e as pesquisas podem oferecer.

Vale a Catira, a cantoria, a cadência, a viola, o modo de dizer e de fazer. No Vale Encantado do Paraíba, vale a taboa esteirada no cenário, vale renda de rendeira fazedeira costurada em tecido cerzindo história, memória e isso tudo virando figurino. Vale fita colorida relembrando procissão. Vale a cena, a interpretação que também, como a manifestação, resgata a tradição.

Vale a arte que estampa a natureza e realça a beleza e os encantos que o Vale tem. Vale o presépio e os "Santos de Casa" nas figuras de barro de uma "nossa" Lili, empapeladas na grandeza de um andor. Vale Pereirões esqueletizados promovendo um suporte necessário de valorização do artesão.

Vale quanto os encantos do Vale? E vale mais que a soma de todas as partes e como, vale e o Vale é, mistura de cor, mistura de raça, mistura de arte, que amostra uma cultura, gerando essa graça.

(*) Andréa Mourão
Psicóloga e psicanalista, gestora dos projetos ArteKula Arte e Cultura e Trilha Arte Factu (Projeto do Centro de Ressocialização Feminino de SJC).

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Sonhos que se tornaram realidade

(*) Maria Helena Weiss

Aconteceu, um sonho se tornou realidade! Assim, Hélio Augusto de Souza, então prefeito de nossa cidade nos idos de 1985, tornou possível a criação da Fundação Cultural Cassiano Ricardo. Com estudo aprimorado, foi realizado com a comunidade joseense um estatuto envolvendo os mais diversos setores da cultura do município, o que resultou na formação de várias comissões.

Nesta época tiveram início os trabalhos da Comissão Municipal de Folclore, com o objetivo de formar, informar e registrar as mais diversas manifestações da cultura popular existentes e tão presentes em cada ser. Com estudo e documentação feitos pela comissão, pode-se avaliar a importância de cada gesto, do pensar, do agir e do sentir na nossa personalidade.

Com o tempo a realidade mudou e a Fundação Cultural Cassiano Ricardo ganhou um novo estatuto e uma nova dimensão de programação. Chegava ao fim as comissões e o trabalho voluntário de seus integrantes. Mas a Comissão de Folclore não se deu por vencida e o sonho continuou, se transformando numa nova realidade. Afinal, um trabalho de muitos anos não podia se perder.

Novos estudos e novos trabalhos tiveram início, possibilitando a formação do Centro de Estudos da Cultura Popular (CECP), que deu continuidade ao que vinha sendo realizado pela extinta Comissão de Folclore, sempre com a preocupação de formar, informar e registrar as manifestações populares da comunidade. Com o CECP continuamos conhecendo a riqueza popular que possuímos.

Hoje estamos envolvidos em curós pedagógicos, de pós-graduação, criamos uma biblioteca especializada em cultura popular (Biblioteca Maria Amália Corrêa Giffoni), um museu da cultura popular (Museu do Folclore) e também o Programa Museu Vivo, que nos deixa sentir o dia a dia, a vivência rica dos fatos que tornam o seu humano mais completo.

Carrego comigo, até hoje, a felicidade de ter participado, desde o início, da Comissão Municipal de Folclore e da formação do CECP. Hoje sou mais feliz, mais realizada. Obrigado Hélio Augusto de Souza! Obrigada Fundação Cultural Cassiano Ricardo!

(*) Maria Helena Weiss
Folclorista, participou da extinta Comissão Municipal de Folclore da Fundação Cultural Cassiano Ricardo e da criação do Centro de Estudos da Cultura Popular (CECP).

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Pensando a missão educacional do Museu do Folclore

(*) Bruno Marinho

O Museu do Folclore com o objetivo de explorar o ‘saber do povo’ insere-se no campo do patrimônio imaterial. Portanto, o conteúdo a ser trabalhado pelos educadores deve-se voltar não aos objetos em si, mas, aos aspectos imateriais (saberes, práticas, estéticas...) relacionados a esses objetos.

Segundo Adriana Mortara Almeida, no seu livro ‘Desafios da relação Museu-Escola’, “uma visita ao museu pode proporcionar aprendizagem tanto de elementos cognitivos como afetivos”. Por isso, deve estar claro aos educadores que conhecimentos e sentimentos a exposição quer passar aos seus visitantes. Uma perspectiva interessante, trabalhada pelo museu, é estimular a identificação do visitante com os objetos expostos, tornando clara a proximidade daquele objeto à memória pessoal do visitante.

Nessa perspectiva, é preciso mostrar ao visitante, como mostra Maria de Lourdes Horta em seu livro ‘O que é afinal Educação Patrimonial’, que “o patrimônio, como o nome diz, é algo herdado de nossos pais e antepassados. Esta herança só passa a ser nossa, para ser usufruída, se nos apropriarmos dela, se a conhecermos e reconhecermos como algo que nos foi legado e que deveremos deixar como herança para nossos filhos, para as gerações que nos sucederão no tempo e na história”.

Concretiza-se o objetivo do museu quando o visitante relaciona o mundo cultural representado pelos objetos expostos ao seu mundo, à sua vida, apropriando-se da exposição e estabelecendo uma relação cognitiva e afetiva com esses objetos. Falando de sua experiência e sua impressão do Museu do Folclore de São José dos Campos, Lúcia Yunes relata esse sentimento de identificação: “Trabalhando num museu de mesma natureza, identifico perfeitamente esses sinais de prazer do público ao descobrir o acervo e se sentir próximo”.

Poderíamos, a princípio, definir como missão educativa do museu estabelecer essa relação de identidade entre o saber que se expõe pelos objetos do museu à vida do visitante. Ao estimular essa relação, o museu busca tornar seu visitante consciente de que pertence a essa cultura, busca também fazê-lo pensar sobre a importância dessa cultura como um conjunto de manifestações particulares de determinada localidade (no nosso caso o enfoque da exposição é nas manifestações do Vale do Paraíba), valorizando a idéia de alteridade e diversidade, como resistência a um mundo que com o processo de massificação busca se homogeneizar cada vez mais.

Além do que, segundo Maria de Lourdes Horta, “a percepção dessa diversidade contribui para o desenvolvimento do espírito de tolerância, de valorização e de respeito das diferenças, e de noção de que não existem povos ‘sem cultura’, ou culturas melhores do que as outras”.

A abordagem dos atendimentos é outro ponto que merece atenção, dada a natureza do museu, um espaço de lazer e entretenimento. Os objetivos específicos do Museu do Folclore, de inserir o visitante no contexto da exposição, pedem uma abordagem menos tradicional – onde o educador expõe o assunto que é ouvido e memorizado pelo visitante – e mais interativa e participativa, onde existe uma conversa e o visitante expõe suas opiniões e fala um pouco daquele saber que também é dele, havendo uma troca entre educador e visitante, onde o conteúdo explorado na visita é construído em conjunto.

Portanto, com diferentes abordagens, de acordo com a faixa etária, o museu pretende conscientizar o visitante do significado do folclore, constituindo-se como um saber do povo, um saber compartilhado, coletivo, de maneira que ele mesmo (o visitante) se reconheça como parte desse saber tradicional, que é dinâmico e resiste até os dias de hoje. Assim, as primeiras concepções que o Museu do Folclore questiona são as que ligam as palavras museu e folclore a algo distante: antigo, exótico ou fantástico.

A proposta do museu é justamente contrária a essa. É mostrar que os objetos em exposição estão bem próximos a nós. Busca-se conscientizar o visitante da importância de se valorizar esse patrimônio cultural, estimulando-o à continuidade desse processo e fazendo com que ele possa transmitir esse conhecimento para a sua comunidade (família, amigos, vizinhos) a partir do reconhecimento daquilo como dele.

(*) Bruno Marinho – Educador do Museu do Folclore

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Os cadernos que se transformaram em livros

Era para ser o registro da feitura do sabão de cinzas. Tudo acertado com antecedência. No dia marcado ficamos sabendo: faltou a lenha que ia produzir a cinza que ia se transformar no sabão. Só não faltou a sabedoria da Nha Tina, que explicou direitinho, passo a passo, como ela faz o sabão de cinzas. Ficou tudo gravado, felizmente, em fita K-7 e de vez em quando mato as saudades dela, ouvindo sua voz já cansada, mas inconfundível, com aquela sonoridade das falas caipiras.

Em folclore é assim mesmo. Rossini Tavares de Lima, em seu livro ‘A Ciência do Folclore’, já dizia que uma das qualidades imprescindíveis do pesquisador de folclore é a paciência, porque “nem sempre o aspecto no qual estamos interessados ocorre quando desejamos ou esperamos”. Paciência é o que não nos falta. Paciência e perseverança. E graças ao exercício destas qualidades é que neste ano estamos lançando o 21º volume da Coleção Caderno de Folclore.

Desde o primeiro caderno, ‘Azeite de Mamona’, lançado em 1986, com apenas oito páginas, todos os demais vêm por conta das competências de seus 21 autores, cumprindo a missão de levar às pessoas informações sobre essa cultura, muitas vezes quase despercebida, apesar de estar tão próxima de nós.

É o olhar aguçado, sensível, honesto, atento e discreto do pesquisador, além da sua formação científica que lhe dá embasamento para nos passar as informações sobre essa cultura que nos define, que nos dá identidade, que diz como somos.

O CECP entende e acredita que vale a pena sonhar e persistir. Necessita, é lógico, contar com outras pessoas que também sonham e acreditam para que tudo aconteça, como é o lançamento deste 21º volume da Coleção Caderno de Folclore – Folias de Reis, Sambas do Povo, de autoria do professor Alberto Ikeda.

Angela Savastano
Presidente do Cento de Estudos da Cultura Popular – CECP  

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Palavras que nos ‘alimentam’ durante o Ciclo de Natal

As palavras, antes de serem palavras, são pensamentos. No dia a dia do nosso linguajar, as usamos com facilidade, naturalmente, sem nos preocuparmos com nada mais que usá-las bem. As palavras são como um alimento disponível. Em tendo com fartura, mais temos com que nos alimentar. Assim como determinados alimentos, determinados frutos, há palavras que são mais usadas em determinados períodos do ano.

Estamos num período especial – o Ciclo de Natal – e neste período este fato acontece. Determinadas palavras são mais faladas, usadas, consumidas, tais como paz, felicidade, prosperidade, Jesus, papai Noel, árvore, estrela, luz e presépio. Todas elas têm um significado próprio, um sentido mais que especial ou um motivo real para ser usada.  

Entretanto, no nosso linguajar de todo dia, simplesmente apenas desfrutamos delas. Assim acontece com a palavra presépio, vocábulo que vem do latim – Praesepium –, que significa manjedoura. Aí então começa a riqueza dos significados presentes no nosso falar, no nosso linguajar.

Na Bíblia, a história nos diz que Jesus nasceu numa manjedoura (símbolo da humildade), numa reentrância de rocha; e isso foi o suficiente para a grande inspiração. Dois mil anos depois, a humanidade celebra o nascimento de Jesus, montando a cena de uma manjedoura com ‘os santinhos’ Jesus, Maria e José e as outras ‘figuras de enfeito’, como o boi e o jumento.

Para falar mais desse acontecimento, nos presépios são colocadas outras figuras como o pastor, os três reis magos e ainda outras figuras como a estrela guia, que indicou o caminho aos reis; o galo, que anunciou a hora (meia noite) do nascimento de Jesus e ainda, aqui em São José, é comum estar presente outra figura, a da ‘gambazinha’ que, segundo as histórias colhidas para registro da cultura popular, teria recebido a bênção de não sentir a dor do parto (animal marsupial) por ter oferecido leite ao Menino Deus. Outra razão da ‘graça’ é por ter iluminado com sua cauda ‘incandescente’ o local do santo nascimento.

Assim como o presépio, a árvore também tem um grande significado no Natal. Ela está presente nesta época por simbolizar, através do seu fruto, o alimento sagrado, Jesus. No espaço em torno do Museu do Folclore, todo o ano, uma família vem montar um presépio. Cada família coloca nesse espaço, além da gruta ou da lapinha com os santinhos, tudo o mais que acham bonito. São objetos, enfeites e figuras  que tornam o local  como o mais lindo criado por eles. E é mesmo! O mais lindo!

Angela Savastano
Presidente do Centro de Estudos da Cultura Popular – CECP

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Vestígios

É muito cedo para se compreender e, mais ainda, para se avaliar com precisão os reflexos que nosso atual modo de viver em sociedade entregarão ao futuro. Sabemos que o século XXI tem sido marcado pelo avanço, sem precedentes, da tecnologia. Seus ramos alcançam todas as áreas do saber.

Em meio ao progresso, entretanto, não podemos nos esquecer que somos sujeitos históricos e as práticas sociais estão, dia a dia, modelando o que será eternizado e ‘cristalizado’ na linha do tempo quando de nossa passagem por este mundo. Desta forma, fatos que hoje norteiam nossa conduta e a convivência com os demais em nosso espaço, serão, não raras vezes, desprovidos de sentido para quem buscar, lá no futuro, o significado de certos comportamentos de hoje em nossa cultura. Quais vestígios deixaremos?

Olhando retrospectivamente para o labirinto da história dos homens, temos inúmeros exemplos no mundo inteiro de muito que se perdeu (ou que se tem perdido paulatinamente), dos costumes de culturas milenares. As festividades em celebração às colheitas e às boas-vindas à chegada das estações do ano são mencionadas nos registros mais antigos de quase todos os países. Muitos as mantêm com algumas modificações, outros, há muito as abandonaram.

A grande vilã do momento é a ‘globalização’. Mas até a que ponto será a única justificativa aceita como verdadeiro dogma? No caso do Brasil, em particular, estudiosos das áreas mais diversas têm advertido sobre a apatia do povo brasileiro quanto à crescente interferência estrangeira nos usos e costumes de nosso país.

Admitimos até mesmo os anglicismos exagerados na Língua Portuguesa, que figura entre as mais ricas e bem estruturadas de todo o mundo! Temos permitido, em silêncio e mesmo ‘sem querer’, o assassinato de nossas tradições populares.

O ‘Dia das Bruxas’, recém comemorado, já consta de calendários escolares de instituições de ensino em todo o país. Entra, na mesma data, “O Dia do Saci” para combater o Halloween. Resultado: já vi criança desenhar uma abóbora, toda sorrisos, com uma carapuça vermelha e cachimbo na boca!

E a confusão não pára por aí! Na fila do caixa de um banco também ouvi duas senhoras conversando sobre o feriado do dia 12 de outubro, que “era para se comemorar o dia de Nossa Senhora Aparecida, a padroeira das crianças”! Trouxe este assunto para a pauta de hoje em nosso Ponto de Encontro porque creio que ainda esteja em tempo para se refletir sobre o temos feito em prol de nossa identidade cultural. E se algumas alterações já estão se manifestando nos dias de hoje, imaginem só daqui a algum tempo?
Aliás, num país onde datas cívicas não passam de mero “feriadão”, não é para se preocupar?

Fonte: Jornal O Diário, de Mogi das Cruzes (SP) – 4/11/2007 
Colaboração de: Gracila Maria Grecco Manfré

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Dor e Delícia

A dinâmica da vida humana, em qualquer parte desse gigantesco globo terrestre, por vezes terá o sabor dos insondáveis mistérios que estão ao nosso lado, mas imperceptíveis por possuírem traços pouco delimitados... Um misto de beleza e indiferença e de altos e baixos. A luz e a sombra que acompanha o homem desde sempre.

A incerteza do que está por vir, trazida pelas mãos do futuro, é, sobretudo evidente no caso das inovações no modo de se viver. Cada um, como diz a música, “sabe a dor e a delícia de ser o que é” em qualquer tempo. E assim, vamos distraídos atravessando as fronteiras da modernização, sem pensar muito sobre a sua influência nas ações mais corriqueiras.

Como, por exemplo, negar o contato com a tecnologia? Convivemos com uma geração de ‘nativos digitais’: crianças (com menos de dois anos!) que se encantam com vídeos e que, por volta dos quatro anos de idade, já têm plena intimidade com o computador. Olhinhos fixos na tela e a pequenina mão dominando o mouse com destreza e segurança admiráveis: cena comum hoje em dia em tantos lares de nosso país!

Uma pesquisa do Ibope/NetRatings, divulgada em fevereiro de 2007, relatou que dos 32,1 milhões de internautas brasileiros, 1,35 milhão são crianças, com idade entre 6 e 11 anos. E a tendência é aumentar... No começo, os jogos lúdicos e os softwares educacionais e, quando alfabetizadas, querem logo as conversas nos chats e os blogs, os diários virtuais. Por sinal, a maioria dos especialistas em educação confia nos benefícios destas práticas, pois auxiliam no desenvolvimento do raciocínio, na argumentação da criança e, via de conseqüência, na evolução mental.

Há algumas décadas havia o ‘avô’ do blog de hoje. Uma delícia em forma de caderno que circulava entre amigos e onde eram feitas as perguntas mais inusitadas: “está apaixonado (a) por alguém?”, “qual a disciplina que mais gosta na escola e por quê?”, “qual seu prato preferido?”, “já foi alguma vez beijado (a)?”, (...) e por aí afora!... Como tudo era por escrito, existem registros guardados até hoje que muita gente espera que continuem quietinhos nos seus cantos...

Pois é, fora do ambiente da rede também havia muita vida e a mesma necessidade de se falar das experiências pessoais! A diferença era a linguagem e a velocidade das respostas. Dias e dias para pensar no que responder... Enquanto tomava-se um cuidado especial com a língua portuguesa (justamente para que não houvesse erro, de qualquer espécie, transitando entre escritas de amigos!). Hoje, ao contrário, o que manda é uma forma toda própria de se escrever (derivada do português), rica em gírias e recheada de abreviações.

Quanto à velocidade, não é mais saboroso dormir e levantar com perguntas dançando na mente? Esperamos que a cibernética não vença os ‘macaquinhos no sótão’ da nova geração dos internautas mirins.

Fonte: Jornal O Diário, de Mogi das Cruzes (SP) – 11/11/2007
Colaboração de: Gracila Maria Grecco Manfré

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O desafio da gestão dos pequenos museus

Ana Silvia Bloise 

 Apesar de toda revolução observada nas últimas décadas, o museu continua a ser uma instituição cultural cheia de potencialidades e contradições: ele é rico em razão do patrimônio que abriga, mas é pobre em relação ao orçamento com que trabalha; tem como missão preservar o patrimônio cultural e, ao mesmo tempo, torná-lo acessível à sociedade – funções por vezes quase incompatíveis.

No museu, o paradoxo do valor é o dilema de gestão sempre presente: uma combinação de necessidade de trabalho altamente especializado com a realidade da mão de obra não qualificada, aliada à escassez de recursos financeiros. Além disso, as expectativas do público leigo e do público especialista, em geral, não são coincidentes (Benhamou, 2007, p.93).

O museu abriga uma herança cultural que pertence a todos, mas que é de fato conhecida e reconhecida como tal por poucos. A freqüência de visita a museus no Brasil sempre foi e ainda continua abaixo da sua potencialidade.

A ambição de quem trabalha no campo dos museus e de quem gosta de museus é grande. O museu não pode ser ‘apenas’ espaço que abriga e preserva o patrimônio, a arte, os testemunhos da história, nossas memórias; ele deve ser um espaço cultural dinâmico, que possa atrair público numeroso e atender às expectativas de pessoas diferentes, com diferentes graus de instrução, exercendo assim uma função social, educativa e de lazer cultural.

Frente a esses desafios, os museus deveriam contar com gestores culturais altamente qualificados e equipes multidisciplinares, capazes de cumprir as exigências técnicas em relação à preservação do patrimônio e, ao mesmo tempo, serem capazes de uma comunicação museológica eficaz.

Poucos museus brasileiros já possuem esse nível de organização mais complexo. São os maiores museus e aqueles localizados no Rio de Janeiro, em São Paulo e em outras grandes capitais, como Belo Horizonte, Salvador e Porto Alegre. Tais museus, por contarem com estrutura e recursos humanos especializados, estão aptos a captar recursos através de leis de incentivo, obter doações e legados, e utilizar fontes de recursos públicos ou privados disponíveis. Eles elaboram exposições atraentes e sempre têm novos projetos em andamento. Assim conquistam o merecido reconhecimento social, atraem mais mídia espontânea e certamente terão facilidade em obter parceiros, doações e patrocínios.

A realidade dos pequenos museus do interior é bem diferente e, assim como acontece em outras áreas da produção da cultura, a gestão é o elo mais frágil de uma cadeia de necessidades e lacunas não satisfatoriamente resolvidas. Podemos dizer que a gestão da maioria desses museus localizados fora dos grandes centros é feita através desta fórmula: boa vontade, poucos recursos financeiros e humanos, quase nenhum acesso a tecnologias e quase nenhum conhecimento especializado. Nos pequenos museus não se trabalha sem uma grande dose de dedicação pessoal e muita flexibilidade.

Por vezes nem mesmo a dedicação pessoal e a competência são levadas em conta. É quando as indicações políticas levam para o museu pessoas sem perfil, qualificação ou interesse pelo serviço. É o que também constatou a pesquisadora Myriam Sepúlveda Santos, quando afirma que, embora os museus brasileiros tenham constituído um campo próprio, denominado internamente como ‘museal’, em que valores, critérios, práticas e discursos específicos são reconhecidos, é notória a falta de transparência e de visibilidade, por exemplo, na gestão de recursos e seleção de profissionais, questões ainda vinculadas a trocas de favor e decisões políticas que não atendem critérios claros estabelecidos dentro do campo. (Santos, 2004, p.68)

Supõe-se que o museu reproduza o que acontece na sociedade, que se revela através dos seus museus. Lá podemos aferir sua riqueza cultural, seu nível de organização política, seu nível de desenvolvimento humano. Neste sentido, tais instituições poderiam ser consideradas microcosmos sociais (MinC, 2005, p.4).

Já que os museus refletem em menor escala a realidade social, podemos interpretá-los como verdadeiros ‘fractais’. O conceito de fractal foi estabelecido pelo matemático Benoit Mandelbrot. Serve aqui para sugerir que o museu de certa forma reproduz padrões não lineares de atuação, semelhantes aos da sociedade na qual se insere.

Paradoxalmente e numa relação de reciprocidade de forças, o ‘fractal’ museológico tem a força de alterar estruturas maiores, porém semelhantes em sua essência. Sim, sabemos que é possível ensejar mudanças nos museus para mudar a realidade social. Na Declaração de Santiago do Chile, de 1972, o museu já era entendido no seu papel de agente transformador. Alguns anos mais tarde, Waldisa Rússio avançou nessa idéia, dizendo que “Cabe ao museu ser o elemento reintegrador, o elemento de compreensão, o agente da utopia... utopia entendida como fase que antecede ao planejamento, no terreno das probabilidades e de cunho inspiracional” (Rússio, 1979, p.7).

O museu e os seus públicos

Ainda pode ser considerada atual a crítica dirigida aos museus franceses por Paul Valéry, em um artigo intitulado “O problema dos museus”. Nele, o autor confessa não amar os museus, enumerando uma série de razões para isso: museus são lugares confusos, tristes, opressivos, cheios de objetos e de proibições, que nos dão uma sensação de frieza, por vezes uma ‘dor na consciência’ e ainda nos obrigam a fingir erudição! (Valéry, 1923, p.6). Valéry, mesmo sendo um intelectual, comprovava que sempre houve distância, dificuldade de diálogo entre o museu e seus públicos.

Em nosso país a maioria da população ainda não sabe para que (ou a quem) servem os museus. Há pouca oferta desses equipamentos culturais, principalmente se levarmos em conta a extensão do território nacional. Dados do IBGE de 2007 indicam que, em média, apenas 21% dos municípios possuem museus, mas a pouca oferta de museus não é o único motivo para a baixa frequência de visitas. Estudos apontam outros fatores, demonstram que a freqüência a museus quase sempre está relacionada a um nível mais alto de instrução do visitante (Almeida, 1995, p.329; Santos, 2001, p.67), indicam haver uma relação direta entre a presença em equipamentos culturais como museus, teatros e cinema e o nível de alfabetização e renda (Barbosa, 2007, p.178), indicam também haver uma relação direta entre “capital cultural” e maior fruição de equipamentos culturais como museus (Cazelli, 2005).

O distanciamento do grande público em relação aos seus museus deve ser entendido como um desafio. As causas hoje podem estar no museu: seu modelo de gestão, na falta de planejamento institucional, no processo de comunicação e até na constituição de suas coleções e acervos poucos significativos ou representativos. Podem estar também na baixa escolaridade da população e nas deficiências nos sistemas tradicionais de educação e ensino.

O museu brasileiro continua a ser um legado europeu, que durante décadas preservou e reproduziu valores estéticos, glorificou personagens e fatos que interessavam a uma parcela bem reduzida da sociedade brasileira. Por vezes foram constituídos por força de lei, outras vezes como fruto de entusiasmos e de utopias de pequenos grupos ou indivíduos.

Waldisa Rússio realizou um estudo sobre os museus da capital e do interior do estado, parte de sua dissertação de mestrado. Uma síntese encontra-se no artigo “Museus de São Paulo”, publicada no Suplemento Cultural do jornal O Estado de S. Paulo, n.167, ano IV, p.11, de 1980. Ela traça um panorama histórico e crítico sobre as idas e vindas da política cultural para museus em São Paulo, que começa com a criação do Museu Paulista e chega ao final da década de 1970 com as grandes novidades da época: o surgimento do curso de Pós-Graduação em Museologia em São Paulo e a criação do Museu de Rua.

Somente agora, nos últimos dez anos, é que algumas instituições de caráter museológico estão sendo revitalizadas e outras foram criadas mais conformes ao gosto brasileiro e explorando temáticas de seu interesse, podendo, de fato, revelar o rosto e interpretar a alma multifacetada do nosso país.

Os museus das pequenas cidades, mesmo estando de certa forma mais próximos da população local, não conseguem ainda romper com esse distanciamento, que deve ser enfrentado através de diversas estratégias de valorização identitária e de políticas públicas específicas.

O desafio da gestão dos museus é, portanto grande. Como levar o brasileiro a conhecer e frequentar museus é um desses desafios. Como qualificar os pequenos museus para que isso aconteça é o desafio complementar. Ele só poderá ser enfrentado quando se puder contar com recursos humanos adequados e com o apoio de políticas públicas que atinjam a todas as instituições museológicas, levando em conta, porém, o seu tamanho, sua origem e o contexto sociocultural.

Por uma política de quotas para os pequenos museus

Assim como houve no passado muitos incentivos para a indústria brasileira nascente, será preciso incentivar o desenvolvimento dos pequenos museus, garantir-lhes edificações modernizadas, acesso ao conhecimento gerencial e técnico, de forma a ultrapassar as antigas e obsoletas estruturas que ainda existem.

É preciso refinar as políticas de editais para que eles possam atingir museus e acervos que de fato mais precisam de ajuda: os pequenos museus, os museus distantes das grandes capitais.

E possível legislar no âmbito municipal, de forma a estimular as pessoas da própria comunidade a fazerem doações aos museus municipais, através das Sociedades de Amigos dos Museus.

Pelo acesso a educação em Museologia

Não se pode imaginar que a revolução na gestão dos museus será feita sem a criação de escolas, faculdades e cursos especializados. Até agora os museus paulistas foram de responsabilidade quase exclusiva de alguns professores que, ocupando cargos de direção, heroicamente trabalharam em condições de isolamento e falta de recursos e na ausência de apoio da sociedade ou mesmo do governo.

A falta de cursos de formação em Museologia em São Paulo é uma lacuna perversa, quase inexplicável. Atualmente já existem cursos de formação em Museologia em dez estados brasileiros. São Paulo, onde não há cursos de graduação em Museologia, deu, porém, um passo importante para suprir a lacuna de trabalhadores de nível médio, ao criar o curso profissionalizante de técnico em museu, ministrado no Centro Paula Souza.

É preciso formar a nova geração de trabalhadores, profissionais em seus campos de atuação, os quais precisam estar a serviço dos prováveis oitocentos museus que hoje já existem em São Paulo. Uma estimativa inferida com base em estudo por mim realizado em 2007, na região denominada Cone Leste Paulista. Na ocasião foram mapeadas 60 instituições museológicas. Desses museus, 70% estavam registrados no Cadastro Nacional de Museus na época.

É preciso repudiar veementemente os atalhos na carreira museológica, cursos que prometem, mas não entregam a formação profissional: breves cursos à distância, cursos sequenciais, cursos criados a partir de modismos, que não têm correspondência na Classificação Brasileira de Ocupações do Ministério do Trabalho.

Ou vamos correr o risco de perder o patrimônio que os museus abrigam e os investimentos realizados e planejados para esse setor?

Pelo museu necessário

As mudanças ocorridas nos últimos anos em bibliotecas, após um traumático período em que acreditávamos que os livros iriam desaparecer (ou até que não haveria mais leitores de livros) deverão servir de exemplo para os museus. As principais bibliotecas públicas e privadas já passaram por grandes transformações, deixando de ser locais vazios de público, guardiões de coleções de livros obsoletos, para se tornarem novamente locais frequentados e necessários. Essas novas bibliotecas não são apenas um conjunto de equipamentos e bons programas para a gerência de bases de dados e de telecomunicação. Elas são fruto de uma revisão dos modelos administrativos de gerenciamento de informações, com altíssimo grau de utilização de tecnologias. Mas o que de fato se encontra como fundamento dessa transição é uma nova atitude gerencial, aliada a um reposicionamento do foco de atividade do bibliotecário, que sai do documento para o gerenciamento de recursos de informação (Marchiori, 1997, p.30).

O mesmo esforço deve ser realizado para com os pequenos museus, que não podem mais ser encarados como depósitos de objetos antigos, um ‘mal necessário’, um ônus para a comunidade. Eles precisam sofrer este tipo de reposicionamento: uma mudança de foco e de forma de gerenciamento, além de investimentos regulares. Esses museus ao serem reconhecidos como novos ambientes de preservação e fruição do patrimônio cultural, movimentarão outras dimensões da vida: a educacional, a turística, a social e a econômica.

O museu precisa se tornar necessário aos seus diversos públicos para realizar a sua missão mais nobre, que é a de preservação do patrimônio cultural que queremos ter como herança. Essa estratégia o orienta a ser uma instituição que não apenas reflete a sociedade, mas que trabalha a favor da utopia. O museu enquanto microcosmo ou fractal social pode promover mudanças em outras esferas da sociedade. Precisamos primeiro sonhá-lo para realizá-lo.

(*) Artigo publicado em: Museus: o que são, para que servem? Sistema Estadual de Museus – SISEM SP (org.), 2011 (Coleção Museu Aberto).

Ana Silvia Bloise 
Museóloga do Museu do Folclore da
Fundação Cultural Cassiano Ricardo (FCCR).

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Dúvida Cruel

Angela Savastano

Muitas são as situações que nos desafiam no Museu do Folclore de São José dos Campos. Em alguns momentos fico com aquela dúvida cruel: dou ao pai ou à mãe do aluno, quando vêm ao Museu, o material que eles precisam para fazer o ‘trabalho de folclore’ para o filho ou aproveito o momento para, juntos, refletirmos sobre o folclore?

Entretanto, o prazo é muito curto (o trabalho é para ontem ou, quando muito, para o dia seguinte), o tempo é exíguo (eles só tem aquela horinha disponível) e o assunto é tão vasto, tão rico, tão profundo, tão cheio de detalhes, que não sei se vale a pena começar a falar a respeito.

Fico alguns momentos ouvindo suas indagações e me vem novamente aquela dúvida cruel: indico alguns livros onde eles possam encontrar aquilo que estão procurando (desenhos de mulas sem cabeça, lobisomem, saci pererê, roupas, danças e comidas típicas) ou ‘arrisco’ aquela pergunta meio ‘complicadora’: o que você acha de conversarmos um pouquinho sobre folclore para ficar mais fácil  você fazer o seu trabalho?

Nas suas expressões leio: não tenho tempo agora, não vim para aprender nada, só vim para copiar alguns dados, fazer um trabalho.  Faço de conta que não senti a mensagem e sempre opto pela chance de ‘soprar’ algo de essencial da nossa cultura nesses dedicadíssimos pais, naquelas supermães.

Não sei se vale a pena, mas sei que é essa a razão, esse é o motivo de estarmos aqui no Museu do Folclore e ainda tenho um desejo: que depois dessa breve reflexão, pais e mães possam conhecer mais sobre nossa cultura e possam colaborar melhor nos trabalhos escolares de seus filhos, sobre folclore. 

Casos onde a Dúvida Cruel aparece.  
Por meio deles vou aprendendo um pouco mais:

- Uma mãe (minha conhecida) me ligou um dia e perguntou se na biblioteca do  Museu tinha algum texto simples, ‘coisa curta’ sobre o folclore, para o filho levar na escola e ainda acrescentou: ele não gosta muito ‘dessas coisas’, mas precisa levar para escola, para nota.
Escrevi uma cartinha para o filho de minha amiga que tinha, na época, 13 anos e o convidei para visitar o Museu do Folclore e lhe enviei um pequeno texto que falava das artimanhas de Pedro Malazarte. Nunca obtive resposta.

- Outra vez um pai que acompanhava de perto o desempenho escolar do filho veio ao Museu do Folclore ‘fazer’ um trabalho sobre folclore para a criança levar para a escola. Quando perguntei onde estava o filho, ele me disse que ele estava na ginástica e não tinha tempo para fazer o trabalho. Tinha o dia todo tomado com outras ocupações: aulas extras de inglês, judô, natação etc. Então ele, o pai, ajudava no que podia.  Fazia os trabalhos, pesquisava na internet...
Desta vez, desanimei. Solicitei à bibliotecária que indicasse alguns livros a ele e saí da sala. Depois, me arrependi. Talvez, se fosse perguntado, ele tivesse muita coisa para me dizer sobre seu folclore.

- É comum estudantes solicitarem ao Museu do Folclore uma declaração, fornecida por nós, que visitaram o local.  Conta ‘ponto’. Quando pergunto algo sobre a exposição, a resposta é sempre a mesma: É legal, valeu.

- Uma professora de artes me disse que quando chega agosto é ela quem organiza a programação para comemorar o dia do folclore na escola. Geralmente, o professor de educação física também ajuda, porque só eles dois tratam desse assunto.  “Os outros, não se interessam muito”.

- Recolhi em São José dos Campos, durante uma pesquisa sobre a devoção à Santa Perna, um pedido de graça de uma aluna da quarta série que dizia assim: “Santa Perna venho pedir a graça de nunca mais ter aula de folclore” (este ex-voto está ‘tombado’ no arquivo do museu). 

Angela Savastano
Cientista Social e Diretora de Conteúdo do
Centro de Estudos da Cultura Popular (CECP)

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Crendices da nossa cultura popular

Angela Savastano

Cresci ouvindo dizer assim: agosto, ‘mês de cachorro louco’. E para não ser mordido por um cachorro louco, deve-se vestir a roupa, blusa ou camisa, pelo lado avesso. É a crendice, seguida do que se deve fazer para não atrair tal azar. Essa crendice é tão presente em nossa cultura que é comum, quando alguma pessoa veste uma roupa pelo avesso, ouvir logo outra pessoa dizer: Ué!? Tá com medo de cachorro louco?

Agosto é um mês aziago, que anuncia azar. Mês do mau agouro, mês das desgraças. Diz-se que não é bom casar em agosto, dá má sorte. Agosto? Desgosto! Para a Doutora Julieta de Andrade, folclorista, 22 de agosto era o dia do juízo final. Eu, há muito tempo, percebo que, apesar da crendice, muitas coisas boas também acontecem em agosto.

Em minha cidade, por exemplo, os ipês, e eles são muitos, estão exuberantes, repletos de flores amarelas. Outras árvores lindas, nas calçadas das ruas, desabrocham floridas. São os manacás, justamente no mês de agosto. E fazendo coro com o colorido das flores, muitas crianças vestindo uniformes de diversas cores, tão vivas quanto as flores dos ipês e manacás, enfeitam o espaço do Museu do Folclore, festejando o mês dedicado à nossa cultura popular, dedicado ao folclore.

Espero que um dia todas as pessoas saibam apreciar a beleza das flores dos ipês e dos manacás; e apreciar também o nosso folclore, que é exuberante e muito belo.

Angela Savastano
Cientista Social e Diretora de Conteúdo do
Centro de Estudos da Cultura Popular  (CECP)