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Pensando a missão educacional do Museu do Folclore
(*) Bruno Marinho
O
Museu do Folclore com o objetivo de explorar o ‘saber do povo’ insere-se no
campo do patrimônio imaterial. Portanto, o conteúdo a ser trabalhado pelos
educadores deve-se voltar não aos objetos em si, mas, aos aspectos imateriais
(saberes, práticas, estéticas...) relacionados a esses objetos.
Segundo
Adriana Mortara Almeida, no seu livro ‘Desafios da relação Museu-Escola’, “uma
visita ao museu pode proporcionar aprendizagem tanto de elementos cognitivos
como afetivos”. Por isso, deve estar claro aos educadores que conhecimentos e
sentimentos a exposição quer passar aos seus visitantes. Uma perspectiva
interessante, trabalhada pelo museu, é estimular a identificação do visitante
com os objetos expostos, tornando clara a proximidade daquele objeto à memória
pessoal do visitante.
Nessa
perspectiva, é preciso mostrar ao visitante, como mostra Maria de Lourdes Horta
em seu livro ‘O que é afinal Educação Patrimonial’, que “o patrimônio, como o
nome diz, é algo herdado de nossos pais e antepassados. Esta herança só passa a
ser nossa, para ser usufruída, se nos apropriarmos dela, se a conhecermos e
reconhecermos como algo que nos foi legado e que deveremos deixar como herança
para nossos filhos, para as gerações que nos sucederão no tempo e na história”.
Concretiza-se
o objetivo do museu quando o visitante relaciona o mundo cultural representado
pelos objetos expostos ao seu mundo, à sua vida, apropriando-se da exposição e
estabelecendo uma relação cognitiva e afetiva com esses objetos. Falando de sua
experiência e sua impressão do Museu do Folclore de São José dos Campos, Lúcia
Yunes relata esse sentimento de identificação: “Trabalhando num museu de mesma
natureza, identifico perfeitamente esses sinais de prazer do público ao
descobrir o acervo e se sentir próximo”.
Poderíamos,
a princípio, definir como missão educativa do museu estabelecer essa relação de
identidade entre o saber que se expõe pelos objetos do museu à vida do
visitante. Ao estimular essa relação, o museu busca tornar seu visitante
consciente de que pertence a essa cultura, busca também fazê-lo pensar sobre a
importância dessa cultura como um conjunto de manifestações particulares de
determinada localidade (no nosso caso o enfoque da exposição é nas
manifestações do Vale do Paraíba), valorizando a idéia de alteridade e
diversidade, como resistência a um mundo que com o processo de massificação
busca se homogeneizar cada vez mais.
Além
do que, segundo Maria de Lourdes Horta, “a percepção dessa diversidade
contribui para o desenvolvimento do espírito de tolerância, de valorização e de
respeito das diferenças, e de noção de que não existem povos ‘sem cultura’, ou
culturas melhores do que as outras”.
A
abordagem dos atendimentos é outro ponto que merece atenção, dada a natureza do
museu, um espaço de lazer e entretenimento. Os objetivos específicos do Museu
do Folclore, de inserir o visitante no contexto da exposição, pedem uma
abordagem menos tradicional – onde o educador expõe o assunto que é ouvido e
memorizado pelo visitante – e mais interativa e participativa, onde existe uma
conversa e o visitante expõe suas opiniões e fala um pouco daquele saber que
também é dele, havendo uma troca entre educador e visitante, onde o conteúdo explorado
na visita é construído em conjunto.
Portanto,
com diferentes abordagens, de acordo com a faixa etária, o museu pretende
conscientizar o visitante do significado do folclore, constituindo-se como um
saber do povo, um saber compartilhado, coletivo, de maneira que ele mesmo (o
visitante) se reconheça como parte desse saber tradicional, que é dinâmico e
resiste até os dias de hoje. Assim, as primeiras concepções que o Museu do Folclore
questiona são as que ligam as palavras museu e folclore a algo distante:
antigo, exótico ou fantástico.
A
proposta do museu é justamente contrária a essa. É mostrar que os objetos em
exposição estão bem próximos a nós. Busca-se conscientizar o visitante da
importância de se valorizar esse patrimônio cultural, estimulando-o à
continuidade desse processo e fazendo com que ele possa transmitir esse
conhecimento para a sua comunidade (família, amigos, vizinhos) a partir do reconhecimento
daquilo como dele.
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Bruno Marinho – Educador do Museu do Folclore
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Os cadernos que se transformaram em livros
Era para ser o registro da feitura do sabão de cinzas. Tudo acertado com antecedência. No dia marcado ficamos sabendo: faltou a lenha que ia produzir a cinza que ia se transformar no sabão. Só não faltou a sabedoria da Nha Tina, que explicou direitinho, passo a passo, como ela faz o sabão de cinzas. Ficou tudo gravado, felizmente, em fita K-7 e de vez em quando mato as saudades dela, ouvindo sua voz já cansada, mas inconfundível, com aquela sonoridade das falas caipiras.
Em folclore é assim mesmo. Rossini Tavares de Lima, em seu livro ‘A Ciência do Folclore’, já dizia que uma das qualidades imprescindíveis do pesquisador de folclore é a paciência, porque “nem sempre o aspecto no qual estamos interessados ocorre quando desejamos ou esperamos”. Paciência é o que não nos falta. Paciência e perseverança. E graças ao exercício destas qualidades é que neste ano estamos lançando o 21º volume da Coleção Caderno de Folclore.
Desde o primeiro caderno, ‘Azeite de Mamona’, lançado em 1986, com apenas oito páginas, todos os demais vêm por conta das competências de seus 21 autores, cumprindo a missão de levar às pessoas informações sobre essa cultura, muitas vezes quase despercebida, apesar de estar tão próxima de nós.
É o olhar aguçado, sensível, honesto, atento e discreto do pesquisador, além da sua formação científica que lhe dá embasamento para nos passar as informações sobre essa cultura que nos define, que nos dá identidade, que diz como somos.
O CECP entende e acredita que vale a pena sonhar e persistir. Necessita, é lógico, contar com outras pessoas que também sonham e acreditam para que tudo aconteça, como é o lançamento deste 21º volume da Coleção Caderno de Folclore – Folias de Reis, Sambas do Povo, de autoria do professor Alberto Ikeda.
Angela Savastano
Presidente do Cento de Estudos da Cultura Popular – CECP
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Palavras que nos ‘alimentam’ durante o Ciclo de Natal
As palavras, antes de serem palavras, são pensamentos. No dia a dia do nosso linguajar, as usamos com facilidade, naturalmente, sem nos preocuparmos com nada mais que usá-las bem. As palavras são como um alimento disponível. Em tendo com fartura, mais temos com que nos alimentar. Assim como determinados alimentos, determinados frutos, há palavras que são mais usadas em determinados períodos do ano.
Estamos num período especial – o Ciclo de Natal – e neste período este fato acontece. Determinadas palavras são mais faladas, usadas, consumidas, tais como paz, felicidade, prosperidade, Jesus, papai Noel, árvore, estrela, luz e presépio. Todas elas têm um significado próprio, um sentido mais que especial ou um motivo real para ser usada.
Entretanto, no nosso linguajar de todo dia, simplesmente apenas desfrutamos delas. Assim acontece com a palavra presépio, vocábulo que vem do latim – Praesepium –, que significa manjedoura. Aí então começa a riqueza dos significados presentes no nosso falar, no nosso linguajar.
Na Bíblia, a história nos diz que Jesus nasceu numa manjedoura (símbolo da humildade), numa reentrância de rocha; e isso foi o suficiente para a grande inspiração. Dois mil anos depois, a humanidade celebra o nascimento de Jesus, montando a cena de uma manjedoura com ‘os santinhos’ Jesus, Maria e José e as outras ‘figuras de enfeito’, como o boi e o jumento.
Para falar mais desse acontecimento, nos presépios são colocadas outras figuras como o pastor, os três reis magos e ainda outras figuras como a estrela guia, que indicou o caminho aos reis; o galo, que anunciou a hora (meia noite) do nascimento de Jesus e ainda, aqui em São José, é comum estar presente outra figura, a da ‘gambazinha’ que, segundo as histórias colhidas para registro da cultura popular, teria recebido a bênção de não sentir a dor do parto (animal marsupial) por ter oferecido leite ao Menino Deus. Outra razão da ‘graça’ é por ter iluminado com sua cauda ‘incandescente’ o local do santo nascimento.
Assim como o presépio, a árvore também tem um grande significado no Natal. Ela está presente nesta época por simbolizar, através do seu fruto, o alimento sagrado, Jesus. No espaço em torno do Museu do Folclore, todo o ano, uma família vem montar um presépio. Cada família coloca nesse espaço, além da gruta ou da lapinha com os santinhos, tudo o mais que acham bonito. São objetos, enfeites e figuras que tornam o local como o mais lindo criado por eles. E é mesmo! O mais lindo!
Angela Savastano
Presidente do Centro de Estudos da Cultura Popular – CECP
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Vestígios
É muito cedo para se compreender e, mais ainda, para se avaliar com precisão os reflexos que nosso atual modo de viver em sociedade entregarão ao futuro. Sabemos que o século XXI tem sido marcado pelo avanço, sem precedentes, da tecnologia. Seus ramos alcançam todas as áreas do saber.
Em meio ao progresso, entretanto, não podemos nos esquecer que somos sujeitos históricos e as práticas sociais estão, dia a dia, modelando o que será eternizado e ‘cristalizado’ na linha do tempo quando de nossa passagem por este mundo. Desta forma, fatos que hoje norteiam nossa conduta e a convivência com os demais em nosso espaço, serão, não raras vezes, desprovidos de sentido para quem buscar, lá no futuro, o significado de certos comportamentos de hoje em nossa cultura. Quais vestígios deixaremos?
Olhando retrospectivamente para o labirinto da história dos homens, temos inúmeros exemplos no mundo inteiro de muito que se perdeu (ou que se tem perdido paulatinamente), dos costumes de culturas milenares. As festividades em celebração às colheitas e às boas-vindas à chegada das estações do ano são mencionadas nos registros mais antigos de quase todos os países. Muitos as mantêm com algumas modificações, outros, há muito as abandonaram.
A grande vilã do momento é a ‘globalização’. Mas até a que ponto será a única justificativa aceita como verdadeiro dogma? No caso do Brasil, em particular, estudiosos das áreas mais diversas têm advertido sobre a apatia do povo brasileiro quanto à crescente interferência estrangeira nos usos e costumes de nosso país.
Admitimos até mesmo os anglicismos exagerados na Língua Portuguesa, que figura entre as mais ricas e bem estruturadas de todo o mundo! Temos permitido, em silêncio e mesmo ‘sem querer’, o assassinato de nossas tradições populares.
O ‘Dia das Bruxas’, recém comemorado, já consta de calendários escolares de instituições de ensino em todo o país. Entra, na mesma data, “O Dia do Saci” para combater o Halloween. Resultado: já vi criança desenhar uma abóbora, toda sorrisos, com uma carapuça vermelha e cachimbo na boca!
E a confusão não pára por aí! Na fila do caixa de um banco também ouvi duas senhoras conversando sobre o feriado do dia 12 de outubro, que “era para se comemorar o dia de Nossa Senhora Aparecida, a padroeira das crianças”! Trouxe este assunto para a pauta de hoje em nosso Ponto de Encontro porque creio que ainda esteja em tempo para se refletir sobre o temos feito em prol de nossa identidade cultural. E se algumas alterações já estão se manifestando nos dias de hoje, imaginem só daqui a algum tempo?
Aliás, num país onde datas cívicas não passam de mero “feriadão”, não é para se preocupar?
Fonte: Jornal O Diário, de Mogi das Cruzes (SP) – 4/11/2007
Colaboração de: Gracila Maria Grecco Manfré
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Dor e Delícia
A dinâmica da vida humana, em qualquer parte desse gigantesco globo terrestre, por vezes terá o sabor dos insondáveis mistérios que estão ao nosso lado, mas imperceptíveis por possuírem traços pouco delimitados... Um misto de beleza e indiferença e de altos e baixos. A luz e a sombra que acompanha o homem desde sempre.
A incerteza do que está por vir, trazida pelas mãos do futuro, é, sobretudo evidente no caso das inovações no modo de se viver. Cada um, como diz a música, “sabe a dor e a delícia de ser o que é” em qualquer tempo. E assim, vamos distraídos atravessando as fronteiras da modernização, sem pensar muito sobre a sua influência nas ações mais corriqueiras.
Como, por exemplo, negar o contato com a tecnologia? Convivemos com uma geração de ‘nativos digitais’: crianças (com menos de dois anos!) que se encantam com vídeos e que, por volta dos quatro anos de idade, já têm plena intimidade com o computador. Olhinhos fixos na tela e a pequenina mão dominando o mouse com destreza e segurança admiráveis: cena comum hoje em dia em tantos lares de nosso país!
Uma pesquisa do Ibope/NetRatings, divulgada em fevereiro de 2007, relatou que dos 32,1 milhões de internautas brasileiros, 1,35 milhão são crianças, com idade entre 6 e 11 anos. E a tendência é aumentar... No começo, os jogos lúdicos e os softwares educacionais e, quando alfabetizadas, querem logo as conversas nos chats e os blogs, os diários virtuais. Por sinal, a maioria dos especialistas em educação confia nos benefícios destas práticas, pois auxiliam no desenvolvimento do raciocínio, na argumentação da criança e, via de conseqüência, na evolução mental.
Há algumas décadas havia o ‘avô’ do blog de hoje. Uma delícia em forma de caderno que circulava entre amigos e onde eram feitas as perguntas mais inusitadas: “está apaixonado (a) por alguém?”, “qual a disciplina que mais gosta na escola e por quê?”, “qual seu prato preferido?”, “já foi alguma vez beijado (a)?”, (...) e por aí afora!... Como tudo era por escrito, existem registros guardados até hoje que muita gente espera que continuem quietinhos nos seus cantos...
Pois é, fora do ambiente da rede também havia muita vida e a mesma necessidade de se falar das experiências pessoais! A diferença era a linguagem e a velocidade das respostas. Dias e dias para pensar no que responder... Enquanto tomava-se um cuidado especial com a língua portuguesa (justamente para que não houvesse erro, de qualquer espécie, transitando entre escritas de amigos!). Hoje, ao contrário, o que manda é uma forma toda própria de se escrever (derivada do português), rica em gírias e recheada de abreviações.
Quanto à velocidade, não é mais saboroso dormir e levantar com perguntas dançando na mente? Esperamos que a cibernética não vença os ‘macaquinhos no sótão’ da nova geração dos internautas mirins.
Fonte: Jornal O Diário, de Mogi das Cruzes (SP) – 11/11/2007
Colaboração de: Gracila Maria Grecco Manfré
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Ana Silvia Bloise
Apesar de toda revolução observada nas últimas décadas, o museu continua a ser uma instituição cultural cheia de potencialidades e contradições: ele é rico em razão do patrimônio que abriga, mas é pobre em relação ao orçamento com que trabalha; tem como missão preservar o patrimônio cultural e, ao mesmo tempo, torná-lo acessível à sociedade – funções por vezes quase incompatíveis.
No museu, o paradoxo do valor é o dilema de gestão sempre presente: uma combinação de necessidade de trabalho altamente especializado com a realidade da mão de obra não qualificada, aliada à escassez de recursos financeiros. Além disso, as expectativas do público leigo e do público especialista, em geral, não são coincidentes (Benhamou, 2007, p.93).
O museu abriga uma herança cultural que pertence a todos, mas que é de fato conhecida e reconhecida como tal por poucos. A freqüência de visita a museus no Brasil sempre foi e ainda continua abaixo da sua potencialidade.
A ambição de quem trabalha no campo dos museus e de quem gosta de museus é grande. O museu não pode ser ‘apenas’ espaço que abriga e preserva o patrimônio, a arte, os testemunhos da história, nossas memórias; ele deve ser um espaço cultural dinâmico, que possa atrair público numeroso e atender às expectativas de pessoas diferentes, com diferentes graus de instrução, exercendo assim uma função social, educativa e de lazer cultural.
Frente a esses desafios, os museus deveriam contar com gestores culturais altamente qualificados e equipes multidisciplinares, capazes de cumprir as exigências técnicas em relação à preservação do patrimônio e, ao mesmo tempo, serem capazes de uma comunicação museológica eficaz.
Poucos museus brasileiros já possuem esse nível de organização mais complexo. São os maiores museus e aqueles localizados no Rio de Janeiro, em São Paulo e em outras grandes capitais, como Belo Horizonte, Salvador e Porto Alegre. Tais museus, por contarem com estrutura e recursos humanos especializados, estão aptos a captar recursos através de leis de incentivo, obter doações e legados, e utilizar fontes de recursos públicos ou privados disponíveis. Eles elaboram exposições atraentes e sempre têm novos projetos em andamento. Assim conquistam o merecido reconhecimento social, atraem mais mídia espontânea e certamente terão facilidade em obter parceiros, doações e patrocínios.
A realidade dos pequenos museus do interior é bem diferente e, assim como acontece em outras áreas da produção da cultura, a gestão é o elo mais frágil de uma cadeia de necessidades e lacunas não satisfatoriamente resolvidas. Podemos dizer que a gestão da maioria desses museus localizados fora dos grandes centros é feita através desta fórmula: boa vontade, poucos recursos financeiros e humanos, quase nenhum acesso a tecnologias e quase nenhum conhecimento especializado. Nos pequenos museus não se trabalha sem uma grande dose de dedicação pessoal e muita flexibilidade.
Por vezes nem mesmo a dedicação pessoal e a competência são levadas em conta. É quando as indicações políticas levam para o museu pessoas sem perfil, qualificação ou interesse pelo serviço. É o que também constatou a pesquisadora Myriam Sepúlveda Santos, quando afirma que, embora os museus brasileiros tenham constituído um campo próprio, denominado internamente como ‘museal’, em que valores, critérios, práticas e discursos específicos são reconhecidos, é notória a falta de transparência e de visibilidade, por exemplo, na gestão de recursos e seleção de profissionais, questões ainda vinculadas a trocas de favor e decisões políticas que não atendem critérios claros estabelecidos dentro do campo. (Santos, 2004, p.68)
Supõe-se que o museu reproduza o que acontece na sociedade, que se revela através dos seus museus. Lá podemos aferir sua riqueza cultural, seu nível de organização política, seu nível de desenvolvimento humano. Neste sentido, tais instituições poderiam ser consideradas microcosmos sociais (MinC, 2005, p.4).
Já que os museus refletem em menor escala a realidade social, podemos interpretá-los como verdadeiros ‘fractais’. O conceito de fractal foi estabelecido pelo matemático Benoit Mandelbrot. Serve aqui para sugerir que o museu de certa forma reproduz padrões não lineares de atuação, semelhantes aos da sociedade na qual se insere.
Paradoxalmente e numa relação de reciprocidade de forças, o ‘fractal’ museológico tem a força de alterar estruturas maiores, porém semelhantes em sua essência. Sim, sabemos que é possível ensejar mudanças nos museus para mudar a realidade social. Na Declaração de Santiago do Chile, de 1972, o museu já era entendido no seu papel de agente transformador. Alguns anos mais tarde, Waldisa Rússio avançou nessa idéia, dizendo que “Cabe ao museu ser o elemento reintegrador, o elemento de compreensão, o agente da utopia... utopia entendida como fase que antecede ao planejamento, no terreno das probabilidades e de cunho inspiracional” (Rússio, 1979, p.7).
O museu e os seus públicos
Ainda pode ser considerada atual a crítica dirigida aos museus franceses por Paul Valéry, em um artigo intitulado “O problema dos museus”. Nele, o autor confessa não amar os museus, enumerando uma série de razões para isso: museus são lugares confusos, tristes, opressivos, cheios de objetos e de proibições, que nos dão uma sensação de frieza, por vezes uma ‘dor na consciência’ e ainda nos obrigam a fingir erudição! (Valéry, 1923, p.6). Valéry, mesmo sendo um intelectual, comprovava que sempre houve distância, dificuldade de diálogo entre o museu e seus públicos.
Em nosso país a maioria da população ainda não sabe para que (ou a quem) servem os museus. Há pouca oferta desses equipamentos culturais, principalmente se levarmos em conta a extensão do território nacional. Dados do IBGE de 2007 indicam que, em média, apenas 21% dos municípios possuem museus, mas a pouca oferta de museus não é o único motivo para a baixa frequência de visitas. Estudos apontam outros fatores, demonstram que a freqüência a museus quase sempre está relacionada a um nível mais alto de instrução do visitante (Almeida, 1995, p.329; Santos, 2001, p.67), indicam haver uma relação direta entre a presença em equipamentos culturais como museus, teatros e cinema e o nível de alfabetização e renda (Barbosa, 2007, p.178), indicam também haver uma relação direta entre “capital cultural” e maior fruição de equipamentos culturais como museus (Cazelli, 2005).
O distanciamento do grande público em relação aos seus museus deve ser entendido como um desafio. As causas hoje podem estar no museu: seu modelo de gestão, na falta de planejamento institucional, no processo de comunicação e até na constituição de suas coleções e acervos poucos significativos ou representativos. Podem estar também na baixa escolaridade da população e nas deficiências nos sistemas tradicionais de educação e ensino.
O museu brasileiro continua a ser um legado europeu, que durante décadas preservou e reproduziu valores estéticos, glorificou personagens e fatos que interessavam a uma parcela bem reduzida da sociedade brasileira. Por vezes foram constituídos por força de lei, outras vezes como fruto de entusiasmos e de utopias de pequenos grupos ou indivíduos.
Waldisa Rússio realizou um estudo sobre os museus da capital e do interior do estado, parte de sua dissertação de mestrado. Uma síntese encontra-se no artigo “Museus de São Paulo”, publicada no Suplemento Cultural do jornal O Estado de S. Paulo, n.167, ano IV, p.11, de 1980. Ela traça um panorama histórico e crítico sobre as idas e vindas da política cultural para museus em São Paulo, que começa com a criação do Museu Paulista e chega ao final da década de 1970 com as grandes novidades da época: o surgimento do curso de Pós-Graduação em Museologia em São Paulo e a criação do Museu de Rua.
Somente agora, nos últimos dez anos, é que algumas instituições de caráter museológico estão sendo revitalizadas e outras foram criadas mais conformes ao gosto brasileiro e explorando temáticas de seu interesse, podendo, de fato, revelar o rosto e interpretar a alma multifacetada do nosso país.
Os museus das pequenas cidades, mesmo estando de certa forma mais próximos da população local, não conseguem ainda romper com esse distanciamento, que deve ser enfrentado através de diversas estratégias de valorização identitária e de políticas públicas específicas.
O desafio da gestão dos museus é, portanto grande. Como levar o brasileiro a conhecer e frequentar museus é um desses desafios. Como qualificar os pequenos museus para que isso aconteça é o desafio complementar. Ele só poderá ser enfrentado quando se puder contar com recursos humanos adequados e com o apoio de políticas públicas que atinjam a todas as instituições museológicas, levando em conta, porém, o seu tamanho, sua origem e o contexto sociocultural.
Por uma política de quotas para os pequenos museus
Assim como houve no passado muitos incentivos para a indústria brasileira nascente, será preciso incentivar o desenvolvimento dos pequenos museus, garantir-lhes edificações modernizadas, acesso ao conhecimento gerencial e técnico, de forma a ultrapassar as antigas e obsoletas estruturas que ainda existem.
É preciso refinar as políticas de editais para que eles possam atingir museus e acervos que de fato mais precisam de ajuda: os pequenos museus, os museus distantes das grandes capitais.
E possível legislar no âmbito municipal, de forma a estimular as pessoas da própria comunidade a fazerem doações aos museus municipais, através das Sociedades de Amigos dos Museus.
Pelo acesso a educação em Museologia
Não se pode imaginar que a revolução na gestão dos museus será feita sem a criação de escolas, faculdades e cursos especializados. Até agora os museus paulistas foram de responsabilidade quase exclusiva de alguns professores que, ocupando cargos de direção, heroicamente trabalharam em condições de isolamento e falta de recursos e na ausência de apoio da sociedade ou mesmo do governo.
A falta de cursos de formação em Museologia em São Paulo é uma lacuna perversa, quase inexplicável. Atualmente já existem cursos de formação em Museologia em dez estados brasileiros. São Paulo, onde não há cursos de graduação em Museologia, deu, porém, um passo importante para suprir a lacuna de trabalhadores de nível médio, ao criar o curso profissionalizante de técnico em museu, ministrado no Centro Paula Souza.
É preciso formar a nova geração de trabalhadores, profissionais em seus campos de atuação, os quais precisam estar a serviço dos prováveis oitocentos museus que hoje já existem em São Paulo. Uma estimativa inferida com base em estudo por mim realizado em 2007, na região denominada Cone Leste Paulista. Na ocasião foram mapeadas 60 instituições museológicas. Desses museus, 70% estavam registrados no Cadastro Nacional de Museus na época.
É preciso repudiar veementemente os atalhos na carreira museológica, cursos que prometem, mas não entregam a formação profissional: breves cursos à distância, cursos sequenciais, cursos criados a partir de modismos, que não têm correspondência na Classificação Brasileira de Ocupações do Ministério do Trabalho.
Ou vamos correr o risco de perder o patrimônio que os museus abrigam e os investimentos realizados e planejados para esse setor?
Pelo museu necessário
As mudanças ocorridas nos últimos anos em bibliotecas, após um traumático período em que acreditávamos que os livros iriam desaparecer (ou até que não haveria mais leitores de livros) deverão servir de exemplo para os museus. As principais bibliotecas públicas e privadas já passaram por grandes transformações, deixando de ser locais vazios de público, guardiões de coleções de livros obsoletos, para se tornarem novamente locais frequentados e necessários. Essas novas bibliotecas não são apenas um conjunto de equipamentos e bons programas para a gerência de bases de dados e de telecomunicação. Elas são fruto de uma revisão dos modelos administrativos de gerenciamento de informações, com altíssimo grau de utilização de tecnologias. Mas o que de fato se encontra como fundamento dessa transição é uma nova atitude gerencial, aliada a um reposicionamento do foco de atividade do bibliotecário, que sai do documento para o gerenciamento de recursos de informação (Marchiori, 1997, p.30).
O mesmo esforço deve ser realizado para com os pequenos museus, que não podem mais ser encarados como depósitos de objetos antigos, um ‘mal necessário’, um ônus para a comunidade. Eles precisam sofrer este tipo de reposicionamento: uma mudança de foco e de forma de gerenciamento, além de investimentos regulares. Esses museus ao serem reconhecidos como novos ambientes de preservação e fruição do patrimônio cultural, movimentarão outras dimensões da vida: a educacional, a turística, a social e a econômica.
O museu precisa se tornar necessário aos seus diversos públicos para realizar a sua missão mais nobre, que é a de preservação do patrimônio cultural que queremos ter como herança. Essa estratégia o orienta a ser uma instituição que não apenas reflete a sociedade, mas que trabalha a favor da utopia. O museu enquanto microcosmo ou fractal social pode promover mudanças em outras esferas da sociedade. Precisamos primeiro sonhá-lo para realizá-lo.
(*) Artigo publicado em: Museus: o que são, para que servem? Sistema Estadual de Museus – SISEM SP (org.), 2011 (Coleção Museu Aberto).
Ana Silvia Bloise
Museóloga do Museu do Folclore da
Fundação Cultural Cassiano Ricardo (FCCR).
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Dúvida Cruel